As falhas do médium podem comprometer a credibilidade de um livro psicografado?

Allan Kardec traçou as bases do método científico espírita, desafiando-se a demonstrar a veracidade das fontes da Doutrina Espírita em um contexto de intensa oposição. Na era da filosofia positivista, ele utilizou a argumentação lógica com grande êxito, como evidenciado em uma das obras fundamentais, O Livro dos Médiuns, publicado em 1861. 

Kardec esclareceu que as falhas nas comunicações mediúnicas podem resultar de má fé ou falta de estudo por parte dos médiuns, e suas ponderações permanecem sólidas até hoje.

Cabe ao leitor e pesquisador exercer um raciocínio crítico para aceitar ou rejeitar as mensagens mediúnicas. Kardec enfatizou que, segundo o Espírito Erasto, “é melhor repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade.” 

Essa afirmação nos lembra que, embora não devamos repelir a verdade, é crucial que alguns fatos espirituais sejam confirmados por um esforço investigativo sincero, evitando assim os malefícios que podem advir da aceitação de falsidades.

Na Introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Kardec introduziu o conceito de “Controle Universal do Ensino dos Espíritos”, um critério que ainda é relevante para os pesquisadores espíritas. 

Segundo tal critério, a essência de novos ensinamentos espirituais deve ser confirmada por manifestações espontâneas de Espíritos através de grupos mediúnicos independentes. Porém, esse critério era conjugado com outros dois: a coerência com os princípios fundamentais do Espiritismo e o emprego da razão e do bom senso. Para aprofundar a questão, recomendamos o artigo: 

Breves considerações sobre o controle universal – Janeiro/Fevereiro 2016

https://cpdocespirita.com.br/portal/2016/11-breves-consideracoes-sobre-o-controle-universal

Dessa forma, médiuns de má fé ou aqueles que caem na fascinação de Espíritos mal-intencionados não serão legitimados pela multiplicidade de fontes de informação mediúnica. (Fascinação é a condição em que o médium se torna incapaz de discernir entre as influências espirituais que recebe, sendo levado a aceitar como verdadeiras mensagens que podem não ter origem em espíritos elevados.)

Ampliando mais a questão, vejamos agora como as tendências de comportamento em tempos de Internet ampliam o desafio de busca da verdade.

Devido ao estímulo dos algoritmos das redes sociais, cada vez mais ganha força o fenômeno da ‘bolha de filtro’ ou ‘câmara de eco’. Os algoritmos analisam nossas interações e preferências para apresentar conteúdos que reforçam nossas crenças e opiniões. 

Se um usuário frequentemente interage com postagens que criticam a mediunidade, o algoritmo tenderá a mostrar mais desse tipo de conteúdo, criando uma bolha que limita a exposição a perspectivas diferentes. Isso pode levar à rejeição de mensagens sérias de fontes espirituais que buscam nos alertar sobre vícios e defeitos morais, simplesmente porque desafiam nossas crenças confortáveis.

Por exemplo, uma mensagem séria, de uma fonte espiritual interessada em nos chamar a atenção para combatermos vícios e defeitos morais em nós mesmos, pode ser rejeitada porque desagrada ou fere nosso amor-próprio.

Já uma mensagem que nos lisonjeia e reforça nossas crenças pré-existentes, pode ser fortemente apoiada por interesse próprio. Mesmo que tal mensagem seja incoerente ou falsa, pode ser a “embalagem” textual para um conteúdo criado por alguém interessado em se fazer aceito, até mesmo atribuindo falsamente a autoria a algum Espírito conhecido e respeitado.

Importa não perder a capacidade de pensar, cuidando para não aderir às ondas massificantes. Isso não significa rejeitar “a priori” tudo o que é novo. Quer dizer que devemos refletir, comparar, buscar mais fontes, pesquisar e debater.

A verdade não é conquistada pela lei do menor esforço. Tudo o que de grande já se fez em termos de Ciência, Filosofia ou Moral é fruto de muito trabalho, dedicação e desapego.

Concluindo, se é imprudente aceitar indiscriminadamente qualquer mensagem mediúnica como verídica, igualmente é necessário analisar o conteúdo com isenção para reconhecer seu verdadeiro valor.